Textão da Liberdade

Luli Sarraf
3 min readDec 20, 2017

Hoje pedi pra um dos grandes homens da minha vida, meu cabelereiro, um lindo apoiador do feminismo, José Calixto, que trabalha no CKamura, raspar meu cabelo. Ele ficou nervoso. Tinha medo que minha cabeça não fosse bonita, que eu não ia segurar a onda de cortar tão curto, que eu fosse chorar. E eu chorei, mas foi de felicidade.

Aos 21 anos quando perdi meu pai fiquei grisalha. Fragilizadíssima e com medo da vida, ouvi muito que eu "tinha que colorir" porque mulher grisalha, se não fosse idosa, era desleixada. Desleixada não ia ter carreira, não ia ter nada. Eu acatei os conselhos de ceder à convenção social e comecei a colorir. Não foi uma escolha minha. E todos os meses estava eu em salão de beleza perdendo 3 horas e um dinheirão. Foram 20 anos fazendo isso. Ficando ansiosa e insegura por causa da raiz grisalha que começava a aparecer depois de 20 dias.

Aí veio o movimento feminista ganhando força nos últimos anos e me dando a dica de que tudo, absolutamente tudo, que uma mulher fizer fará dela errada diante da sociedade. O machismo é estrutural e nega pros seres humanos do sexo feminino um monte de coisas, incluindo o processo mais natural da vida que é o envelhecimento.

A brincadeira perigosa, mentirosa e nociva com a vaidade feminina perdeu limites e eu agora decidi enfrentá-la de cabeça erguida. Nasci em 1976 e nada vai mudar isso. Nesse ano completei 41 anos e no ano que vem completarei 42, não 40, e no próximo 43, não 39. Pra mim, cada aniversário que eu completar é motivo de alegria, sinal de eu não morri no ano anterior e isso me parece ótimo afinal estou me divertindo muito, amo a vida, por mais que ela seja desafiadora e o mundo injusto, minha vontade de morrer é zero.

Esse processo de assumir os brancos envolve tantos aspectos meus:

  • paciência — pois o cabelo cresce devagar, e as alternativas são só cortar curto (a que escolhi) ou conviver com a raiz grisalha e o comprimento colorido
  • auto aceitação — assumir a própria idade, as rugas, manchas, sei lá mais o que vem, com amor próprio. A vaidade é outra conversa, eu, por exemplo, estou maquiada na foto, mas é uma escolha minha, não uma imposição externa.
  • liberdade — saber quem é, o que quer, e estar acima do que aparenta
  • coragem — fazer o que precisa ser feito e encontrar força pra isso
  • realismo — ilusões e mentiras nos confundem e atrasam nossa evolução

Pode até ser que depois de concluir meu processo de assumir os brancos eu decida voltar a colorir, mas aí será outra história, serão motivos meus, não essa ameaça de baixo nível do machismo de que mulher tem que ser bonita. Mulher não tem que ser nada, mas eu fortemente desejo que cada uma seja quem é.

E para finalizar, quero agradecer as mulheres lacradoras que assumiram seus brancos pois foi olhando pra vocês que eu me inspirei a olhar pra mim. Suas divas absolutas.

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